2 de jun. de 2018

Conto: "Síndrome de Estô calmo"



"Síndrome de Estô calmo"

   
      
  Demóstenes estava vivendo um momento complicado em sua vida. Órfão de pai militar, acabara de perder a mãe há alguns meses, e o fato de ela interferir ostensivamente na sua vida, lhe deixou meio perdidão, desorientado, sem rumo. Dona Benedita, (mais conhecida como Dita); era uma mulher durona, autoritária. Dizia ao menino que trabalhava como faxineira em um quartel, ainda que todos soubessem que não era bem isso o que ela fazia. Dita dava um duro danado, "ralava" muito, se é que me entendem. Mas o que lhe dava alguma estabilidade não eram os clientes esporádicos, mas sim, um norte-americano conhecido como Sam, ao qual Demóstenes chamava ingenuamente de tio. Um dia, Sam abandonou Dita, que desgostosa, veio à óbito.

       O adolescente, então, procurou emprego. Passou a ser maltratado pelo patrão, que lhe explorava acintosamente. Sobrevivia, é bem verdade, mas a coisa não estava fácil. Pegava ônibus lotado, pagava caro pela passagem, e quando ficava doente, precisava encarar filas em hospitais precários. Prestou vestibular em Faculdade Pública, mas como havia estudado em péssimas escolas no primeiro e segundo graus, não teve chance alguma. Sentia-se um perdedor, e o que mais lhe indignava, era a falta de indignação. Foi aí que procurou um psicólogo pelo SUS.

    Após algumas sessões de psicanálise, o doutor lhe apresentou uma teoria Freudiana, para variar: a falta de capacidade de indignação é oriunda da educação recebida pela mãe, autoritária, torturadora, agressiva. Demóstenes possuía "Síndrome de Estô calmo", e precisava se impor mediante as dificuldades. 

    Recebido o diagnóstico, começou uma vida errante, mergulhado na própria imaturidade. Fez escolhas erradas, andou com más companhias, bebeu, drogou-se, não parando em emprego algum. Não acostumado à liberdade, viu sua vida em frangalhos, e tendo insucesso quando se manifestava, ficou ainda mais frustrado. Foi quando teve uma "ideia brilhante": Precisava ir a um centro espírita, consultar um médium e pedir dicas à mãe autoritária, a dona Dita. Aquela liberdade estava lhe fazendo mal, e ele necessitava das rédeas opressoras que conduziram anteriormente sua vida. Na mesa empoeirada da sala sombria, o médium lhe entregou uma carta, com a caligrafia materna...

   
    "Filho, eu não quero mais intervir na sua vida. Evoluí espiritualmente, e percebi que os métodos que usei na tua criação eram equivocados. Amadureça, faça as melhores escolhas e progrida! Caminhe com as próprias pernas, mas olhando para frente, não para trás"

      Com lágrimas nos olhos, Demóstenes entendeu a mensagem. Percebeu que pedir a intervenção de Dona Dita era algo inviável. Resolveu deixar o espírito da velha em paz, procurando melhorar sua vida através da realidade presente e das perspectivas futuras. O passado já não lhe pertencia mais...

* O Eldoradense
   
 

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