Ontem foi mais um daqueles dias tristes. Perdi alguém pelo qual tenho gratidão desde os primeiros dias de vida: Assim que nasci, um casal foi até a nossa casa para buscar minha mãe e eu e oferecer-nos os cuidados necessários enquanto meu pai trabalhava. Essas pessoas eram o "Seu Pedro e Dona Alfredina". Ele, meu tio, irmão do meu pai, e ela, sua esposa e companheira de tantos anos. Não por acaso, e externando o agradecimento pelo gesto amoroso e voluntário, meus pais me ofereceram a este casal em batismo religioso.
Pois ontem, o meu padrinho se foi, depois de uma luta sofrida de dois anos contra as sequelas de um AVC, que o deixou acamado. Foi morar com Deus deixando muitas saudades a todos os familiares, dentre eles - e principalmente - esposa, filhos e netos. Quando recebi a notícia, o primeiro pensamento que me veio em mente foi o de conforto, pois aquela luta prolongada, obviamente, estava o fazendo sofrer. Mas depois, vem o tal "filme na cabeça", as lembranças boas que trazem saudades, e ao mesmo tempo, chateação por mais um lindo ciclo encerrado na vida terrena e iniciado no plano celestial.
E nestas lembranças, é inevitável recordar do olhar distraído, sereno, do coração puro, bom, quase ingênuo. Fica difícil não dar um sorriso de canto de boca ao lembrar da voz grossa contando piadas singelas e repetitivas, que nos faziam rir mais pela simplicidade do que pela piada propriamente dita. Emotivo, das poucas vezes que o vi pegar no violão - que tocava muito bem, por sinal - também o presenciei chorar. Provavelmente nestas lágrimas estavam contidas a saudade da vida no sítio com os meus avós, e certamente, a perda do filho primogênito em um afogamento. Falava pouco no assunto, mas no olhar distraído e melancólico, havia esta mácula. Era nitidamente perceptível.
Teve outras duas filhas de sangue e um caçula, de coração, ao qual tratou sem distinção alguma. Tanto é que só anos mais tarde que fui saber disso. Alma nobre, esposo dedicado que tratava a companheira com devoção, cavalheiro nato, numa reverência quase que servil, paparicando com muito amor a minha madrinha. Casamento de longos setenta anos, o tipo de união conjugal sólida e rara de se ver atualmente. Da vida material, recordo muito pouco do armazém de secos e molhados que empreendeu na Avenida Tiradentes, mas lembro com muita admiração do Jeep que ele teve por alguns anos na garagem. Eu achava aquele carro o máximo!
Está agora, com certeza no reino dos céus. Ficam registradas a gratidão, a admiração e a saudade. E para finalizar a homenagem, conto uma história descontraída, ocorrida em 2001, numa reunião em família no período de carnaval, em Rosana.
Juntamos nossa família e fomos passar alguns dias na casa de um primo, o Adálio, em Primavera. Quando foi à tarde, depois do almoço, resolvemos descer em caravana até Rosana e passar o dia na prainha às margens do Rio Paraná. O seu Pedro e a dona Alfredina foram no carro do genro e da filha, o Cido e a Idenilce. Chegando lá, todo mundo entrou na água, menos o meu padrinho, que estava trajando roupas sociais: sapato, calça e camisa. A esta altura do campeonato, ele já era um senhor de 71 anos, e talvez não se sentisse bem com trajes de banho. Pois bem: Depois de algum tempo, meu padrinho não resistiu e entrou nas águas do Rio Paraná mesmo com aquela roupa formal.
Foi quando um dos meus primos, o Armando, com um humor bastante aguçado e inteligente, gritou, dando uma gargalhada:
"Ê, tio Pedro, agora sim! Só tá faltando o celular e o talão de cheques!"
E assim prosseguiu o padrinho, mergulhando o corpo no rio sem qualquer pudor ou constrangimento, retribuindo a piada do sobrinho com um sorriso puro e ingênuo, refletindo a personalidade da sua alma...
Luiz Fernando, 27/11/20 - em homenagem