30 de set. de 2015

Conto: "O chamado"


"O chamado"

    Aquela casa já era grande demais para as duas. Ficou ainda maior para Emília, após o falecimento da mãe. A mulher de trinta e cinco anos optou por não se casar, e mantinha um padrão de vida confortável exercendo a advocacia. A casa grande com traços arquitetônicos antigos no centro da cidade mantinha um ar de imponência e poder, fazendo com que os que passassem por aquela rua admirassem o imóvel. Emília acabara de acordar naquela manhã de domingo, sendo que durante a madrugada, teve um sonho lindo com a mãe.

   No sonho, a senhora havia chamado a filha para visita-la em sua nova casa, cujo endereço não havia informado. Emília procurava um táxi sem qualquer referência, mas o motorista do veículo amarelo parecia saber melhor o destino final da corrida do que a própria passageira. Levou-a até um descampado plano, verde, cheio de árvores e pessoas. A mãe a recebia com um abraço caloroso, que irradiava ternura. Foi quando a advogada acordou, com uma saudade maior do que a de costume. Resolveu ir até o cemitério, pois certamente aquele sonho queria dizer algo. A ligação entre ambas durante a vida era muito forte.

   Chegando à necrópole, dirigiu-se ao túmulo de Dona Gertrudes, e fez as orações costumeiras para a alma da mãe. Ficou à beira do jazigo por quase uma hora, até sentir que o seu coração estivesse um pouco mais confortado da saudade que até então doía pontiaguda em seu peito. Por mais que Emília fosse católica fervorosa, estava difícil aceitar a perda da mãe. Após muitas recordações, meditações e lembranças dos bons momentos vividos pelas duas, resolveu voltar ao casarão, com a saudade mais branda do que quando havia acordado pela manhã.

   Quando avistou o imóvel, percebeu a movimentação das viaturas do Corpo de Bombeiros e a aproximação de vários curiosos. Sua casa havia se incendiado, provavelmente por consequência da deterioração da fiação elétrica tão antiga quanto a mobília daquele lugar. Emília tinha tudo para sentir-se desamparada, amargurada, mas não. Os danos materiais causados pelo incêndio seriam ressarcidos pelo seguro, e sua própria vida, ainda que solitária e vazia, havia sido preservada. Foi quando Emília percebeu que mesmo perdendo a mãe aqui na Terra, havia sido agraciada com um anjo da guarda no céu.  O chamado de Dona Gertrudes até o seu jazigo havia sido mais que providencial, e a jovem advogada captou com perspicácia o sentido da mensagem recebida naquela manhã de domingo...


* O Eldoradense

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