"O chamado"
Aquela casa já era grande demais
para as duas. Ficou ainda maior para Emília, após o falecimento da mãe. A
mulher de trinta e cinco anos optou por não se casar, e mantinha um padrão de
vida confortável exercendo a advocacia. A casa grande com traços arquitetônicos
antigos no centro da cidade mantinha um ar de imponência e poder, fazendo com
que os que passassem por aquela rua admirassem o imóvel. Emília acabara de
acordar naquela manhã de domingo, sendo que durante a madrugada, teve um sonho
lindo com a mãe.
No sonho, a senhora havia chamado a filha para visita-la em sua nova
casa, cujo endereço não havia informado. Emília procurava um táxi sem qualquer
referência, mas o motorista do veículo amarelo parecia saber melhor o destino
final da corrida do que a própria passageira. Levou-a até um descampado plano,
verde, cheio de árvores e pessoas. A mãe a recebia com um abraço caloroso, que
irradiava ternura. Foi quando a advogada acordou, com uma saudade maior do que
a de costume. Resolveu ir até o cemitério, pois certamente aquele sonho queria
dizer algo. A ligação entre ambas durante a vida era muito forte.
Chegando à necrópole, dirigiu-se ao túmulo
de Dona Gertrudes, e fez as orações costumeiras para a alma da mãe. Ficou à
beira do jazigo por quase uma hora, até sentir que o seu coração estivesse um
pouco mais confortado da saudade que até então doía pontiaguda em seu peito.
Por mais que Emília fosse católica fervorosa, estava difícil aceitar a perda da
mãe. Após muitas recordações, meditações e lembranças dos bons momentos vividos
pelas duas, resolveu voltar ao casarão, com a saudade mais branda do que quando
havia acordado pela manhã.
Quando avistou o imóvel, percebeu a
movimentação das viaturas do Corpo de Bombeiros e a aproximação de vários curiosos.
Sua casa havia se incendiado, provavelmente por consequência da deterioração da
fiação elétrica tão antiga quanto a mobília daquele lugar. Emília tinha tudo
para sentir-se desamparada, amargurada, mas não. Os danos materiais causados
pelo incêndio seriam ressarcidos pelo seguro, e sua própria vida, ainda que
solitária e vazia, havia sido preservada. Foi quando Emília percebeu que mesmo
perdendo a mãe aqui na Terra, havia sido agraciada com um anjo da guarda no
céu. O chamado de Dona Gertrudes até o
seu jazigo havia sido mais que providencial, e a jovem advogada captou com
perspicácia o sentido da mensagem recebida naquela manhã de domingo...
* O Eldoradense