"Luz na passarela"
A vida estava sorrindo para Estela. Com sua aparência
delicada, olhos azuis e cabelos loiros herdados pela descendência ariana, a
moça chamava atenção de todos, o que rendeu a ela o prêmio principal de um
concurso de beleza na sua cidadezinha, encravada no meio da serra gaúcha. A
menina era esguia, elegante, e andava na rua com desenvoltura de Top Model,
sendo que logo apareceram os primeiros empresários oferecendo-lhe assessoria
para a promissora carreira de modelo. Ainda estudando, Estela aceitou ingressar
naquele mundo, pois possuía beleza e dom inquestionáveis. Mas como tudo não é
perfeito, a moça tinha dois defeitos graves: uma arrogância só dela, e um
preconceito racial herdado sabe-se lá de quem, oriundo sabe-se lá de onde.
Mas os defeitos não conseguiam atrapalhar a
prosperidade. Estela mudou-se para Porto Alegre, onde concorreu ao prêmio de
Miss Rio Grande do Sul, vencido com justiça, tamanha a sua habilidade na arte
de desfilar. Estela parecia uma pluma loura flutuando na passarela, enchendo de
orgulho a família, encantando público e jurados. Alugou um apartamento na
capital gaúcha, prosseguiu os estudos, conciliando-os com a nova profissão.
Apareceram neste meio tempo inúmeros trabalhos em revistas, catálogos, novos
desfiles e muitas fotos em outdoors nas ruas de Porto Alegre.
De vez em quando passeava na cidadezinha onde
nasceu, passando um ou outro final de semana no sítio dos avós, onde adorava
cavalgar. Nestes passeios, mostrou-se inebriada pela fama, tratando com
desprezo os empregados do sítio, que perceberam que sua arrogância havia crescido
na proporção do seu sucesso. A moça estava insuportável.
Em uma tarde chuvosa, insistiu em cavalgar
na véspera de um desfile importantíssimo na capital gaúcha. O equino escorregou
no pasto úmido, e Estela sofreu uma queda grave. Foi levada às pressas para um
ótimo hospital de Porto Alegre, e os exames diagnosticaram uma lesão na coluna,
que a impossibilitou de andar. Desesperada, perguntou à Drª Maria Aparecida se
existia um mínimo de esperança de ela voltar a caminhar. A médica disse que não
poderia responder com precisão, mas que ela deveria se submeter a um tratamento
fisioterápico intensivo, que poderia lhe dar algum resultado positivo em médio
ou longo prazo. Estela não acreditou no que ouviu, seus sonhos pareciam ter
desabado junto com ela em uma fração de segundos.
Cinco longos anos passaram, e Estela
passou a caminhar com certa dificuldade, porém, o suficiente para que seu
coração ambicionasse uma vida normal. E os passos tornaram-se firmes após mais
um ano. A moça não teria mais como prosseguir na carreira de modelo, pois a
beleza já não era mais a mesma, assim como a idade, que já estava avançada para
a profissão. Mas isso era o de menos, já que os seus passos haviam sido
devolvidos por um milagre e também pelo importante trabalho da Drª Maria
Aparecida, a médica negra que havia lhe tratado com franqueza e competência.
Estela estava consciente de que não
poderia mais ser modelo, porém, precisava visitar uma última passarela, pois
esta não era mais uma questão de honra, mas de dívida. Voou para São Paulo e
posteriormente tomou um ônibus para Aparecida, chegando ao destino em um doze
de outubro iluminado. Sob o sol do Vale do Paraíba, a ex-modelo calçou as
sandálias da humildade, desfilando com gratidão pela passarela que une as duas
basílicas, juntamente com outros tantos romeiros. A menina loira e outrora
preconceituosa sentia-se filha de uma mãe negra. A mesma mãezinha negra de
tantos brasileiros...
* O Eldoradense
Muito bom este conto, parabéns!
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