12 de out. de 2015

Conto: "Luz na passarela"


"Luz na passarela"


  A vida estava sorrindo para Estela. Com sua aparência delicada, olhos azuis e cabelos loiros herdados pela descendência ariana, a moça chamava atenção de todos, o que rendeu a ela o prêmio principal de um concurso de beleza na sua cidadezinha, encravada no meio da serra gaúcha. A menina era esguia, elegante, e andava na rua com desenvoltura de Top Model, sendo que logo apareceram os primeiros empresários oferecendo-lhe assessoria para a promissora carreira de modelo. Ainda estudando, Estela aceitou ingressar naquele mundo, pois possuía beleza e dom inquestionáveis. Mas como tudo não é perfeito, a moça tinha dois defeitos graves: uma arrogância só dela, e um preconceito racial herdado sabe-se lá de quem, oriundo sabe-se lá de onde.

  Mas os defeitos não conseguiam atrapalhar a prosperidade. Estela mudou-se para Porto Alegre, onde concorreu ao prêmio de Miss Rio Grande do Sul, vencido com justiça, tamanha a sua habilidade na arte de desfilar. Estela parecia uma pluma loura flutuando na passarela, enchendo de orgulho a família, encantando público e jurados. Alugou um apartamento na capital gaúcha, prosseguiu os estudos, conciliando-os com a nova profissão. Apareceram neste meio tempo inúmeros trabalhos em revistas, catálogos, novos desfiles e muitas fotos em outdoors nas ruas de Porto Alegre.

  De vez em quando passeava na cidadezinha onde nasceu, passando um ou outro final de semana no sítio dos avós, onde adorava cavalgar. Nestes passeios, mostrou-se inebriada pela fama, tratando com desprezo os empregados do sítio, que perceberam que sua arrogância havia crescido na proporção do seu sucesso. A moça estava insuportável.

   Em uma tarde chuvosa, insistiu em cavalgar na véspera de um desfile importantíssimo na capital gaúcha. O equino escorregou no pasto úmido, e Estela sofreu uma queda grave. Foi levada às pressas para um ótimo hospital de Porto Alegre, e os exames diagnosticaram uma lesão na coluna, que a impossibilitou de andar. Desesperada, perguntou à Drª Maria Aparecida se existia um mínimo de esperança de ela voltar a caminhar. A médica disse que não poderia responder com precisão, mas que ela deveria se submeter a um tratamento fisioterápico intensivo, que poderia lhe dar algum resultado positivo em médio ou longo prazo. Estela não acreditou no que ouviu, seus sonhos pareciam ter desabado junto com ela em uma fração de segundos.

    Cinco longos anos passaram, e Estela passou a caminhar com certa dificuldade, porém, o suficiente para que seu coração ambicionasse uma vida normal. E os passos tornaram-se firmes após mais um ano. A moça não teria mais como prosseguir na carreira de modelo, pois a beleza já não era mais a mesma, assim como a idade, que já estava avançada para a profissão. Mas isso era o de menos, já que os seus passos haviam sido devolvidos por um milagre e também pelo importante trabalho da Drª Maria Aparecida, a médica negra que havia lhe tratado com franqueza e competência.

    Estela estava consciente de que não poderia mais ser modelo, porém, precisava visitar uma última passarela, pois esta não era mais uma questão de honra, mas de dívida. Voou para São Paulo e posteriormente tomou um ônibus para Aparecida, chegando ao destino em um doze de outubro iluminado. Sob o sol do Vale do Paraíba, a ex-modelo calçou as sandálias da humildade, desfilando com gratidão pela passarela que une as duas basílicas, juntamente com outros tantos romeiros. A menina loira e outrora preconceituosa sentia-se filha de uma mãe negra. A mesma mãezinha negra de tantos brasileiros...

* O Eldoradense

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