20 de out. de 2015

Conto: "A gravidade e o problema"


"A gravidade e o problema"


   Dizem que quem é introspectivo padece mais com os problemas, pois o sujeito guarda suas aflições na alma, sem compartilhar as horas difíceis e os sofrimentos com ninguém. Manuel era este tipo de homem: calado, pensativo, e que apesar de ter uma vida aparentemente estável, passava por dificuldades financeiras que até então, desconhecia. A esposa era companheira, ótima mãe dos seus dois filhos que traziam tantas alegrias para aquela casa. Mas o empresário parecia ter vergonha em dizer à mulher que a loja de calçados em Campinas andava mal das pernas, e que só ontem, teve que demitir duas de suas melhores funcionárias. Queria transmitir a imagem de Super-homem, inabalável, indestrutível, que de uma hora para outra, tiraria uma carta milagrosa da manga.

   Demissões, falência à vista, falta de horizontes, todos estes problemas eram novos para o homem de meia idade, que sofria cada vez mais com aquela situação. Precisava fazer cortes no orçamento familiar, que poderiam incluir até mesmo a escola particular dos filhos. Aquilo doía, pois tudo o que mais queria era que os filhos tivessem uma instrução de alto nível, para que desfrutassem de um futuro ainda melhor que o seu. Mas os impostos, o governo e a crise econômica mudaram totalmente o rumo da sua vida. Manuel parecia dar asas a uma depressão incômoda e aparentemente inevitável.

   Enquanto dirigia o carro naquela quinta-feira à noite, ouviu uma música que parecia provocá-lo: “Manuel”, de Ed Motta. Se o protagonista daquela música “foi para o céu”, como dizia a letra da canção, o Manuel de Campinas parecia viver um inferno astral, longe de ser solucionado. Chegou a sua casa tarde da noite, quando todos estavam dormindo. Deitou-se na cama, não conseguiu sequer cochilar, e quando o relógio marcou quatro da madrugada, encontrou a solução para os seus problemas: Iria para o céu!

    A ideia de se jogar do alto de um precipício deixando todo o sofrimento suspenso no ar lhe seduzia com força descomunal. Deixou um bilhete na mesa explicando tudo o que estava acontecendo, pedindo desculpas por ter saído de casa tão cedo, sem que ninguém percebesse. Precisava pegar a rodovia D.Pedro rumo à Atibaia, pois a Pedra Grande seria o lugar ideal para cumprir o seu ritual. O veículo 4x4 o levaria até lá, ao som da música de Ed Motta.

   O relógio de pulso marcava seis e meia da manhã quando Manuel estava no ponto mais alto da Pedra Grande. Não havia ninguém no lugar que pudesse lhe atrapalhar, tudo iria fluir como o planejando. Manuel lançou-se no céu, o corpo flutuava, deixando todas as suas aflições suspensas no ar. Sangue e adrenalina misturaram-se numa combinação explosiva. Quando o corpo tocou o chão, Manuel sentiu-se mesmo um Super-homem que havia voado e amenizado seus infortúnios. Não há nada tão prazeroso para empresário campineiro como praticar Asa-Delta. Ao voltar para Campinas, o som do carro tocava mais uma vez, a canção de Ed Motta. Em alguns casos, a gravidade pode dificultar a resolução de um problema. Mas em outros, ela pode ser bastante benéfica...


* O Eldoradense

Um comentário:

  1. Muito bom este conto, eu já estava achando que o Manuel ia para o céu mesmo, rsrsrs abraços!!!

    ResponderExcluir

Comentário: "O tio França foi uma vítima"

    Ontem à noite, em Brasília, aconteceu o que penso ser o ápice do delírio Bolsonarista: Um homem trouxe explosivos em seu próprio corpo, ...