"A gravidade e o problema"
Dizem que quem é introspectivo padece
mais com os problemas, pois o sujeito guarda suas aflições na alma, sem
compartilhar as horas difíceis e os sofrimentos com ninguém. Manuel era este
tipo de homem: calado, pensativo, e que apesar de ter uma vida aparentemente
estável, passava por dificuldades financeiras que até então, desconhecia. A
esposa era companheira, ótima mãe dos seus dois filhos que traziam tantas
alegrias para aquela casa. Mas o empresário parecia ter vergonha em dizer à
mulher que a loja de calçados em Campinas andava mal das pernas, e que só
ontem, teve que demitir duas de suas melhores funcionárias. Queria transmitir a
imagem de Super-homem, inabalável, indestrutível, que de uma hora para outra,
tiraria uma carta milagrosa da manga.
Demissões, falência
à vista, falta de horizontes, todos estes problemas eram novos para o homem de
meia idade, que sofria cada vez mais com aquela situação. Precisava fazer
cortes no orçamento familiar, que poderiam incluir até mesmo a escola
particular dos filhos. Aquilo doía, pois tudo o que mais queria era que os
filhos tivessem uma instrução de alto nível, para que desfrutassem de um futuro
ainda melhor que o seu. Mas os impostos, o governo e a crise econômica mudaram
totalmente o rumo da sua vida. Manuel parecia dar asas a uma depressão incômoda
e aparentemente inevitável.
Enquanto dirigia o
carro naquela quinta-feira à noite, ouviu uma música que parecia provocá-lo:
“Manuel”, de Ed Motta. Se o protagonista daquela música “foi para o céu”, como
dizia a letra da canção, o Manuel de Campinas parecia viver um inferno astral,
longe de ser solucionado. Chegou a sua casa tarde da noite, quando todos
estavam dormindo. Deitou-se na cama, não conseguiu sequer cochilar, e quando o
relógio marcou quatro da madrugada, encontrou a solução para os seus problemas:
Iria para o céu!
A ideia de se
jogar do alto de um precipício deixando todo o sofrimento suspenso no ar lhe
seduzia com força descomunal. Deixou um bilhete na mesa explicando tudo o que
estava acontecendo, pedindo desculpas por ter saído de casa tão cedo, sem que
ninguém percebesse. Precisava pegar a rodovia D.Pedro rumo à Atibaia, pois a
Pedra Grande seria o lugar ideal para cumprir o seu ritual. O veículo 4x4 o levaria
até lá, ao som da música de Ed Motta.
O relógio de
pulso marcava seis e meia da manhã quando Manuel estava no ponto mais alto da
Pedra Grande. Não havia ninguém no lugar que pudesse lhe atrapalhar, tudo iria
fluir como o planejando. Manuel lançou-se no céu, o corpo flutuava, deixando
todas as suas aflições suspensas no ar. Sangue e adrenalina misturaram-se numa
combinação explosiva. Quando o corpo tocou o chão, Manuel sentiu-se mesmo um
Super-homem que havia voado e amenizado seus infortúnios. Não há nada tão
prazeroso para empresário campineiro como praticar Asa-Delta. Ao voltar para
Campinas, o som do carro tocava mais uma vez, a canção de Ed Motta. Em alguns
casos, a gravidade pode dificultar a resolução de um problema. Mas em outros,
ela pode ser bastante benéfica...
* O Eldoradense
Muito bom este conto, eu já estava achando que o Manuel ia para o céu mesmo, rsrsrs abraços!!!
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