17 de jun. de 2019

Conto: "Projeto LPA"



   O engenheiro eletrônico Laércio Brás e o renomado cirurgião Joseílson Costa estavam trabalhando de forma conjunta e sigilosa em um ousado projeto que criaria um dispositivo capaz de decifrar os pensamentos das outras pessoas. Ao dispositivo, deram o nome de LPA: Leitor dos Pensamentos Alheios. Consistia em um capacete travestido de boné, que, através de uma falsa bijuteria disfarçada na aba, emitia um laser invisível direcionado ao cérebro da outra pessoa, decodificando os pensamentos do outro indivíduo e emitindo vozes reveladoras em um fone acoplado ao dispositivo.

    Ambos sabiam que o projeto poderia render discussões éticas em torno da privacidade, mas vislumbravam o rio de dinheiro que ganhariam ao patentear o dispositivo. Pensaram na demanda gerada através de serviços policiais e de espionagem internacional. Numa escala mais abrangente, o dispositivo poderia ajudar pais controladores, cônjuges desconfiados, detetives particulares e até mesmo simples curiosos ávidos por descobrirem o que os outros estavam pensando.

     Quando o projeto estava praticamente concluído, o sócio neurocirurgião sofreu um ataque cardíaco fulminante, e Laércio pensou imediatamente que colheria os louros do invento sozinho, já que faltavam apenas pequenos ajustes eletrônicos que ele dominava. Duas semanas depois, foi testar o invento, com o boné sobre a cabeça.

        Foi para um churrasco entre amigos onde percebeu que muitos daqueles que o bajulavam nutriam pensamentos negativos ao seu respeito, considerando-o um arrogante insuportável. Ouvindo vozes incômodas e desagradáveis, teve vontade de esmurrar boa parte dos que ali estavam, mas precisava se conter. Quando chegou em casa, a esposa deu-lhe um beijo de boa noite, mas intimamente repugnou a presença do marido, e ele descobriu que os quase trinta anos de casamento estavam sustentados pelo pilar do comodismo e da conveniência. No dia seguinte, enquanto trabalhava, teve a revelação de que seu assistente mais fiel pretendia deixar-lhe na mão já na próxima semana, tendo em vista um emprego onde ganharia bem mais, com a vantagem de não precisar mais aturá-lo. A raiva e a decepção passaram a dominar sua mente de forma avassaladora em menos de quarenta e oito horas usando a geringonça.

      Laércio então fez um exercício de reflexão e descobriu a gama de conflitos que seu invento poderia gerar: desde dramas familiares, até, quem sabe, a Terceira Guerra Mundial. Notou que as vozes que ouvia poderiam trazer muito sofrimento através de verdades que talvez não necessitassem aflorar. Foi até o interior do laboratório onde martelou a bijuteria que emitia o laser invisível, incinerando, posteriormente, o boné. Em seguida, apagou todos os arquivos do notebook onde estavam contidas as informações sobre o projeto. Por incrível que pareça, chegou à conclusão de que a vida em sociedade precisa também de uma dose homeopática e certeira de mentiras e hipocrisias...

* O Eldoradense


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