O engenheiro eletrônico Laércio Brás e o
renomado cirurgião Joseílson Costa estavam trabalhando de forma conjunta e
sigilosa em um ousado projeto que criaria um dispositivo capaz de decifrar os
pensamentos das outras pessoas. Ao dispositivo, deram o nome de LPA: Leitor dos
Pensamentos Alheios. Consistia em um capacete travestido de boné, que, através
de uma falsa bijuteria disfarçada na aba, emitia um laser invisível direcionado
ao cérebro da outra pessoa, decodificando os pensamentos do outro indivíduo e
emitindo vozes reveladoras em um fone acoplado ao dispositivo.
Ambos sabiam que o projeto poderia render
discussões éticas em torno da privacidade, mas vislumbravam o rio de dinheiro
que ganhariam ao patentear o dispositivo. Pensaram na demanda gerada através de
serviços policiais e de espionagem internacional. Numa escala mais abrangente, o
dispositivo poderia ajudar pais controladores, cônjuges desconfiados, detetives
particulares e até mesmo simples curiosos ávidos por descobrirem o que os outros
estavam pensando.
Quando o projeto estava praticamente concluído, o sócio neurocirurgião
sofreu um ataque cardíaco fulminante, e Laércio pensou imediatamente que
colheria os louros do invento sozinho, já que faltavam apenas pequenos ajustes
eletrônicos que ele dominava. Duas semanas depois, foi testar o invento, com o
boné sobre a cabeça.
Foi para um churrasco entre amigos onde percebeu que muitos daqueles que
o bajulavam nutriam pensamentos negativos ao seu respeito, considerando-o um
arrogante insuportável. Ouvindo vozes incômodas e desagradáveis, teve vontade
de esmurrar boa parte dos que ali estavam, mas precisava se conter. Quando
chegou em casa, a esposa deu-lhe um beijo de boa noite, mas intimamente
repugnou a presença do marido, e ele descobriu que os quase trinta anos de
casamento estavam sustentados pelo pilar do comodismo e da conveniência. No dia
seguinte, enquanto trabalhava, teve a revelação de que seu assistente mais fiel
pretendia deixar-lhe na mão já na próxima semana, tendo em vista um emprego
onde ganharia bem mais, com a vantagem de não precisar mais aturá-lo. A raiva e
a decepção passaram a dominar sua mente de forma avassaladora em menos de
quarenta e oito horas usando a geringonça.
Laércio então fez um exercício de reflexão e descobriu a gama de
conflitos que seu invento poderia gerar: desde dramas familiares, até, quem
sabe, a Terceira Guerra Mundial. Notou que as vozes que ouvia poderiam trazer
muito sofrimento através de verdades que talvez não necessitassem aflorar. Foi
até o interior do laboratório onde martelou a bijuteria que emitia o laser invisível,
incinerando, posteriormente, o boné. Em seguida, apagou todos os arquivos do
notebook onde estavam contidas as informações sobre o projeto. Por incrível que
pareça, chegou à conclusão de que a vida em sociedade precisa também de uma
dose homeopática e certeira de mentiras e hipocrisias...
* O Eldoradense
Nenhum comentário:
Postar um comentário