Só tenho um irmão, sendo eu o primogênito e ele, o caçula - obviamente! - e a diferença entre nossas idades é pouca, somando apenas dois anos e quatro meses. Por conta disso, minha mãe dizia, brincando, que éramos "quase gêmeos", o que era um tanto exagerado da parte dela. Mas o fato é que estas condições faziam com que tivéssemos diferenças de personalidade agudas em alguns momentos, e uma sintonia afinadíssima em outros. Nestes momentos de sintonia, fazíamos piadas que somente nós entendíamos, desenvolvemos um idioma maluco em que as palavras eram soletradas de trás para frente, e criamos dois personagens que incorporávamos esporadicamente durante as refeições: Jonathan & David - E é sobre esta dupla de milionários excêntricos que escreverei abaixo, parágrafos posteriores.
Não tenho certeza se Jonathan & David foram criados em nossa infância ou na adolescência, mas sei que até o início da vida adulta eles provocavam sorrisos na mesa do almoço ou do jantar, inclusive, em algumas ocasiões, na presença de parentes ou visitantes mais próximos. Para que eles entrassem em ação, bastava uma troca de olhares ou algum de nós iniciarmos o diálogo, que era mais ou menos assim:
- Ah, Jonathan, que alegria recebê-lo em minha casa!
- O prazer é todo meu, amigo! E o que temos para o jantar?
- Sei que você está acostumado a caviar, faisão, mas hoje, pedi para nossa cheff fazer ovo frito, pois há tempos eu queria saborear um prato exótico e pitoresco, destes que nossos serviçais degustam com prazer inexplicável...
- Sim, eu não tenho preconceitos gastronômicos, e até acho que os menos favorecidos possuem um paladar curioso, mas de bom gosto. Falando nisso, eu acho tão interessante você trazer a criadagem para a mesa das refeições, isso promove uma interação maravilhosa entre as classes socais! (A "criadagem" era composta pelos meus pais e visitantes ocasionais)
- Obrigado pela observação, amigo. Faço isso para que eu ganhe o respeito da nossa equipe de serviçais, quebrando aquela barreira constrangedora entre patrões e empregados. Mas me diga, como vão os negócios na Argentina?
- De vento em popa, David! Com a abertura do Mercosul, ficou bastante vantajoso investir nos países vizinhos... Me passa o vinho do Porto? (Geralmente bebíamos Tang de uva)...
- Ah, sim, claro! Saiba que esta é uma safra raríssima, datada do início do século, que guardo para as ocasiões especiais como esta. (Girava o copo de suco, e sentia o aroma, feito um experiente sommelier)
Quando a palhaçada já havia se alongado demais e a comida já estava esfriando, vinha a descontraída e desbocada interrupção materna...
- Calem a boca e comam, seus FDP!
Ríamos, e assim seguia a refeição. Hoje, por conta dos horários desencontrados, da televisão e da internet, são poucas as famílias que se reúnem no almoço e no jantar. E quando o fazem, muitos dividem a atenção entre os pratos e talheres com os seus respectivos aparelhos celulares. A conversa na mesa "ao vivo e a cores", perdeu espaço para os novos hábitos, infelizmente. Talvez se eu e meu irmão tivéssemos crescido entretidos com bugigangas tecnológicas, Jonathan & David nunca teriam provocado risadas na mesa, muito menos relembrados com tanta saudade...
* O Eldoradense