"Namira"
Chamava-se Namira Severino Kawagushy da Silva. Era um desses
exemplares humanos da exótica e complexa miscigenação brasileira. Seu pai era
japonês, sendo que a cultura nipônica lhe foi repassada fielmente por sua
família, desde a mais remotas gerações dos seus antepassados. A mãe era
paraibana, mulher macho, sim senhor. Dizem que seu bisavô materno fez parte do
temido bando de Lampião, que azucrinava a paz dos sertanejos nordestinos na
primeira metade do século passado. Como se não bastasse, seu tataravô, do lado
oriental da família, dominava as artes marciais e as habilidades com a espada,
sendo praticamente um samurai.
Como consequência desta mistura étnica e cultural, Namira
tinha a cabeça achatada, os olhos puxados e um sotaque esquisito, difícil de
definir. Mas o que o tornava mais diferenciado, era a habilidade com as armas:
manuseava a espingarda com a destreza de um cangaceiro, assim como a peixeira,
tendo com ela, a agilidade dos ninjas. Muitos achavam que “Na mira” era seu
apelido, tamanha a precisão dos seus tiros. As más línguas diziam que ele havia
sido matador de aluguel, outros, que era apenas justiceiro, assassinando
somente os que mereciam ser mortos. Mas não havia prova qualquer dos seus
homicídios. O misterioso “Japaraíba” era quase que místico, lendário e talvez
fosse até imortal.
Certa vez, enquanto saboreava um delicioso sushi com farinha
de mandioca em um restaurante de Campina Grande, Namira foi abordado por Zé
Nonato, tenente aposentado da polícia, que agora trabalhava de capataz na
fazenda do Coronel Coreolano. O jagunço queria marcar um duelo de tiro ao alvo
com Namira, dizendo que nunca havia errado qualquer disparo em sua vida. O
duelo foi prontamente aceito. Era um domingo à tarde, e a fazenda estava repleta de
curiosos. Um árbitro profissional de tiro ao alvo foi contratado para mediar o
tira-teima. Zé Nonato sugeriu a “prova das moedas” e Namira aceitou. O jagunço
atiraria primeiro, em uma moeda de um real lançada ao alto. E de fato, Zé
Nonato acertou em cheio o alvo.
Posteriormente, foi a vez de Namira, que deu um sorriso
irônico de canto de boca. O “Japaraíba”, disse que seu tiro atingiria o máximo
da perfeição, coisa nunca antes vista por alguém naquelas bandas. Moeda ao alto
e o tiro foi disparado obtendo precisão cirúrgica. Mas o inesperado, o místico,
o inusitado, ainda estava para acontecer: ao conferir o que restara da moeda, o
árbitro percebeu que não haviam pedaços da mesma. Estavam ali, de forma
estranha, milagrosa e inacreditável, duas perfeitas moedas de cinquenta
centavos. Namira havia acertado a moeda com tanta exatidão, que dividiu-a em
duas outras, com metade do valor, cada uma!
Todos correram assustados, acreditando que Namira tinha um
pacto com alguma entidade sobrenatural, ou coisa do tipo. O Japaraíba pegou o
prêmio de mil reais em dinheiro, um cantil de saquê e um quarto de rapadura.
Montou em seu jumento e foi embora, sumindo em meio a poeira misteriosa da
estrada de chão...
* O Eldoradense