"Seu Floriano e o pão crioulo"
Escrevo este conto verídico para reparar uma injustiça. Injustiça íntima cometida
com o meu avô materno, seu Floriano, uma das minhas maiores referências
afetivas da minha vida. Não, não é lá uma injustiça com "i maiúsculo", mas ela
precisa ser reparada. Eu explico. Primeiro, eu preciso apresentar-lhes uma das
principais características do meu avô, e só aí, amigo leitor, você vai entender
o que eu estou dizendo.
Seu Floriano era um homem
simples, não alfabetizado, mas muito sábio. Porém, uma das suas marcas
registradas era simplificar, por sua conta e risco, o nome de tudo o que ele
considerava de difícil pronúncia ou até mesmo das coisas que ele não fazia
questão de guardar na memória. Sendo assim, meu primo Abmael era por ele chamado
de "Natanaéli", e o meu tio Ednaldo, era simplesmente
"Aguinaldo". Às vezes eu tinha dúvidas se ele fazia isso por
dificuldade ou por sacanagem mesmo. Contudo, era na mesa que a mania de
simplificar nomes ganhava contornos ainda mais engraçados: Qualquer prato
diferente ou com nome um pouco mais complicado era simplesmente rebaixado à
condição de "balaio de gato". Não importa se era gastronomia
italiana, árabe ou brasileira. Estrogonofe? Balaio de gato. Lazanha? Balaio de
gato. Esfirra? Balaio de gato. E se ele percebesse que os netos achavam aquilo
engraçado, até o arroz e feijão virava "balaio de gato".
Eis que que em um dado
momento dos últimos anos de sua vida, o apetite tornou-se raro. Desanimado,
tinha pouca fome, e isso nos preocupava. Perguntávamos a todo o momento se ele
queria comer algo, e era difícil quando ele tinha algum palpite ou sugestão.
Quando isso acontecia, teria que ser
aproveitado de forma imediata, sem perder tempo, pois a vontade de comer
poderia passar. E um dia, num destes raros momentos, ele me pediu:
Lógico que respondi que
buscaria, embora nunca tivesse ouvido falar deste pão e achasse que este nome
fosse mais uma invenção simplória do seu Floriano. Na época, ainda não tinha em
mãos a facilidade da internet para me certificar da existência do tal pão, e
então, eu chamei minha prima Thalita e disse:
"Prima, o vô tá a fim
de um tal pão crioulo. Nunca ouvi falar nisso, e eu acho que os padeiros também
não! Por desencargo, eu vou pedir a informação, mas você vai comigo, pra gente
passar vergonha juntos" . Ela riu, mas solidária, montou na garupa da moto.
Padaria um. Cara de espanto
do balconista. Padaria dois. Risada do balconista. Padaria três. Cara de desprezo
do balconista. Padaria quatro. "Nunca ouvi falar!" Na décima padaria, eu estabeleci uma
associação de pensamentos mais pautada no desespero que na racionalidade....
"Isso pode ser um nome
antigo. O pão crioulo pode ter a ver com a escravidão, que lembra surra, que
lembra sova"...
"Thalita, dane-se! Vou levar um pão sovado e ver o que acontece..."
(continua amanhã)
* O Eldoradense
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