21 de mai. de 2021

Poema de Carlos Drummond de Andrade: "Adeus a sete quedas"

 



"Adeus a sete quedas"

Sete quedas por mim passaram,
E todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
A memória dos índios, pulverizada,
Já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
Aos apagados fogos
De ciudad real de guaira vão juntar-se
Os sete fantasmas das águas assassinadas
Por mão do homem, dono do planeta.

Aqui outrora retumbaram vozes
Da natureza imaginosa, fértil
Em teatrais encenações de sonhos
Aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho
Corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
Mostrava-se, despia-se, doava-se
Em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
De remotos egípcios e assírios
Em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz-se
Por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
De líquido perfil
Dissolvem-se entre cálculos computadorizados
De um país que vai deixando de ser humano
Para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa,
Da agitação faz-se um silêncio
Empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
Que luz e força tarifadas geram
À custa de outro bem que não tem preço
Nem resgate, empobrecendo a vida
Na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
De bilhões de touros brancos integrados,
Afundam-se em lagoa, e no vazio
Que forma alguma ocupará, que resta
Senão da natureza a dor sem gesto,
A calada censura
E a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos
Brasileiros de todos os semblantes,
Vinde ver e guardar
Não mais a obra de arte natural
Hoje cartão-postal a cores, melancólico,
Mas seu espectro ainda rorejante
De irisadas pérolas de espuma e raiva,
Passando, circunvoando,
Entre pontes pênseis destruídas
E o inútil pranto das coisas,
Sem acordar nenhum remorso,
Nenhuma culpa ardente e confessada.
(“assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o brasil grande!”)
E patati patati patatá...

Sete quedas por nós passaram,
E não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
E todas sete foram mortas,
E todas sete somem no ar,
Sete fantasmas, sete crimes
Dos vivos golpeando a vida
Que nunca mais renascerá.

* Carlos Drummond de Andrade

20 de mai. de 2021

Comentário: Sete quedas - Uma história pouco conhecida

 



    Há pouco mais de três anos, num churrasco em família após minha visita a Foz do Iguaçu, meu cunhado Gílson havia feito a menção ao assunto Sete Quedas. Eu, formado em Geografia, desconhecia todo o contexto histórico envolvido naquela que, certamente, foi uma das maiores - talvez a maior - arbitrariedade governamental brasileira cometida contra o meio ambiente.

     Comecemos pela localização. As Sete Quedas foram um conjunto de dezenove cachoeiras agrupadas em sete subconjuntos que possuíam nada mais nada menos que a maior vazão hídrica do mundo. Eram situadas em Guaíra, no Estado do Paraná, fronteira com o Paraguai. A beleza cênica daquelas águas rivalizavam com as atuais Cataratas do Iguaçu, recebendo turistas não só do Brasil, mas do mundo todo. Guaíra chegou a ser a cidade mais visitada do país, e vislumbrava prosperidade econômica através do turismo, impulsionado pela imponência das Sete Quedas.

    Mas eis que, para variar, a ganância humana influenciada pela megalomania dos governos militares do Brasil e do Paraguai resolveram, através de um acordo bilateral entre as duas nações, construir aquela que seria a maior usina hidrelétrica do mundo: Itaipu. Com o argumento de explorar o imenso potencial energético que o Rio Paraná possui, bem como resolver um litígio fronteiriço entre os dois países, mais precisamente na quinta queda do conjunto de cachoeiras, o acordo deu início ao sepultamento de toda aquela suntuosidade natural e paisagística, pois o lago formado pela barragem em Foz  do Iguaçu submergiria as quedas d'água localizadas em Guaíra, distante aproximadamente 230 km da hidrelétrica. A opulência das Sete Quedas era tão gigantesca que moradores locais diziam ouvir o estrondo das águas a uma distância de 20 km. Alguns relatos mais exagerados diziam que o som hídrico poderia ser audível em distância maior, de 30 km.

    Barulho que não faltou por parte dos manifestantes, comunidades indígenas e ribeirinhas locais, que teriam também suas terras e propriedades submergidas pelo grande lago artificial. Porém, este barulho não se fez audível para os governantes, que deram início a contagem regressiva para o fim das Sete Quedas. O gigante seria tombado pelas ambições humanas, e tal contagem regressiva proporcionou não só um enorme prejuízo ambiental e cênico, mas teve como consequência uma tragédia desastrosa: Sabendo do fim das Sete Quedas, os turistas se apressaram para visualizar a paisagem, que estava com os dias contados. O fluxo de visitação no Parque das Sete Quedas aumentou drasticamente, sem controle adequado pelos responsáveis. As pontes pênseis sobre as cataratas não estavam com a manutenção em dia, pois não "compensava" investir em algo que estava prestes a não existir mais.

         No dia 17 de janeiro de 1982, a ponte pênsil sobre a décima nona queda d'água ruiu, e trinta e dois turistas foram mortos nas águas imponentes do Rio Paraná. Seis pessoas foram salvas por um pescador voluntarioso, cujo vulgo era João Mandi, que posteriormente ficou conhecido como o "Herói das Sete Quedas".  Três corpos nunca foram encontrados.

         Há quem diga que nos últimos dias do alagamento, os galhos das árvores que ainda encontravam-se sobre a superfície pareciam pedir socorro diante de tamanha arbitrariedade e insensatez. A nostalgia em torno das Sete Quedas parece também ter perdido força com o tempo, e nem na Usina de Itaipu existem relatos sobre o fato. Os governos militares minimizaram a relevância dos acontecimentos, pois a obra faraônica possuía dimensões ufanistas e propagandistas. 

           Relembremos Sete Quedas no presente, para que no futuro, não tenhamos que relembrar sobre o gigante verde conhecido como Floresta Amazônica. Amanhã postarei, na íntegra, um poema escrito por Carlos Drummond de Andrade ao Jornal do Brasil, dedicado à tragédia de Sete Quedas...


* O Eldoradense    

17 de mai. de 2021

Comentário: "Entregar o jogo?"

 




     A final do Campeonato Paulista, será, como todos sabem, entre Palmeiras e São Paulo. E como todos devem saber também, as últimas rodadas propiciaram uma daquelas situações inusitadas que os regulamentos de torneios futebolísticos permitem: Um time grande poderia entregar o jogo para que um  rival à altura ficasse de fora das semifinais, evitando confronto direto entre ambos, posteriormente.
  
     O Corinthians teve a oportunidade de perder o jogo para o Novorizontino, fazendo com que o clube do interior se classificasse no lugar do arquirrival Palmeiras,  evitando um clássico gigante nas semifinais. Mas não o fez. Mesmo com um time reserva, bateu o Novorizontino,  classificou o verdão e consolidou o clássico que decidiria uma das vagas na finalíssima. No fim das contas, o Palmeiras venceu a semifinal, o Corinthians ficou fora, e de quebra, o técnico Vágner Mancini foi demitido. 

      Reacendeu-se o debate: Deveria o timão ter entregue o jogo, facilitando posteriormente sua passagem para a final? Os mais fanáticos dizem que sim, que a atitude seria estratégica, que seria um dos modos de eliminar o grande rival. Discordo!

        Primeiro, vamos à primeira possibilidade: A diretoria do Palmeiras poderia ter oferecido "premiação extra" para que o Corinthians, em crise financeira, vencesse o jogo. Os jogadores, logicamente, almejariam a primeira premiação, e em seguida, almejariam uma posterior, numa possibilidade real de vencer o próprio Palmeiras nas semifinais. Sim, enquanto você, torcedor fanático torcia para que a rapadura fosse entregue, os jogadores profissionais estavam lutando pelo leitinho de suas respectivas crianças. Algo totalmente factível e admissível.

          E agora, a segunda possibilidade: Por uma questão de ética, profissionalismo e brio, os jogadores corintianos jamais entregariam uma partida, sob pena de manchar o legado de suas carreiras, priorizando o "fair play" e a meritocracia. Se o Novorizontino almejasse uma das vagas nas semifinais, que lutasse! Não o fez, classificou-se o Palmeiras, simples assim!

       Em uma outra circunstância, onde o fanatismo falasse mais alto que a razão, eu diria que o certo seria entregar o jogo e eliminar o adversário através desta possibilidade. Porém, hoje, sinceramente, enxergo as coisas de forma diferente, motivado pela maturidade, mas também, pela carência de ética e moral na sociedade caótica em que vivemos.

       A trapaça não deve servir de exemplo. Não sou corintiano, mas uma das coisas mais bonitas que vejo naquele clube é a entrega e a raça dos jogadores em campo, ainda que vivam as mais adversas situações. Historicamente, se superam através da raça quando falta técnica. E não poderia ser diferente agora. Além disso, entregar o jogo vai totalmente contra as mensagens positivas que o esporte transmite. 

       No Facebook, perguntei a um dos mais fanáticos torcedores corintianos de Presidente Venceslau, o Toninho Moré, se o Corinthians deveria ter entregue o jogo para evitar o confronto diante do Palmeiras. Sua resposta foi a seguinte:

         "Claro que não. O que vale no futebol é a vitória. Ganham para isso. Nada de maracutaia. A vida não dá certo para gente sem-vergonha. Fizeram o correto".

        Falou o que penso, mas com outras palavras. Havia muito mais do que futebol implícito na conduta dos jogadores corintianos. Havia princípios, ética e profissionalismo incutidos naquele placar de 2x1 diante do Novorizontino. O resto é folclore e fanatismo.

* O Eldoradense

5 de mai. de 2021

Comentário: "Pandemia e solidariedade"

 


   É clichê, bater na mesma tecla e chover no molhado dizer que a situação financeira ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus afetou drasticamente a economia de um país que já tinha boa parte de sua população em risco social e insegurança alimentar. Porém, é necessário relembrar tais circunstâncias para que seja despertada a solidariedade principalmente naqueles que não foram prejudicados pelo atual cenário, ou na pior das hipóteses foram pouco afetados. É uma questão de responsabilidade social de cada um.

    Se você goza de boa saúde, se há alimento na sua mesa, se o seu teto lhe permite desfrutar de um mínimo de conforto, agradeça à Deus por isso. E certamente a melhor forma de manifestar esse agradecimento é ajudando o próximo, aquele que neste momento está desempregado, passando dificuldades para defender o pão de cada dia.

      As medidas de isolamento social tão criticadas por muitos, infelizmente são necessárias, pois mesmo se pensarmos apenas em economia, os impactos financeiros gerados pela manutenção sem restrições das atividades comerciais seriam ainda mais devastadores. Mas o foco principal deste texto não é este. É a solidariedade.

      Está na hora de cada um de nós ficarmos mais atentos a esta realidade impensada em outrora, de contribuirmos de alguma maneira, ainda que dentro de nossas modestas possibilidades, com aqueles que estão precisando de uma mão amiga. Está na hora da mobilização. E neste aspecto, felizmente, Presidente Venceslau não está deixando a desejar.

      Há em curso muitas campanhas de arrecadação de alimentos para as famílias necessitadas, materiais de limpeza para a Santa Casa local, organizadas por órgãos públicos, entidades filantrópicas, empresários de diversos setores e até mesmo por grupos de amigos. Se você puder, e principalmente quiser, envolva-se em uma delas, seja como doador, trabalhador voluntário ou fazendo parte da organização. Não lave suas mãos nem se esconda sob a máscara da omissão. É hora de arregaçar as mangas, abrir o coração e contribuir!


* O Eldoradense

         

4 de mai. de 2021

Comentário: "Mais uma dose, a saideira!"

 



     E, finalmente, tomei a segunda dose! "A saideira", como diriam os frequentadores inveterados de bares. A sensação é de relativo alívio, apesar de ter a consciência de que a guarda ainda não deve ser baixada. A imunização efetiva, no caso da vacina chinesa Coronavac ocorre em média quinze dias após a segunda dose, e como a eficácia não é total, convém manter os cuidados preventivos necessários, como higienizar frequentemente as mãos, usar máscaras, evitar aglomerações. Além disso, a vacinação em nosso país ocorre a passos lentos, e o altruísmo é necessário para que poupemos também a saúde daqueles que ainda não foram agraciados com a imunização.

      Dizem os mais discretos que é "modinha" tirar fotografia ao lado da carteira de vacinação e postar na internet, nas redes sociais ou algo do gênero. Respeito, mas discordo. Primeiramente porque estamos em uma guerra contra um inimigo microscópico e vencer a batalha é digno sim, de registro. E o segundo motivo é ainda mais concreto: Existe um outro inimigo, este muito mais visível a olho nu, que incomoda tanto quanto o vírus. Ele se chama negacionismo.

     É por isso que particularmente eu faço questão de registrar o momento e incentivar, com minha humilde contribuição, a vacinação. O intuito é coibir a desinformação, valorizar a ciência, diminuir as desconfianças. É tentar convencer, de alguma forma, através do "jeito" - não da discussão acalorada - que dentro deste contexto de pandemia, cada um de nós somos dentes de uma engrenagem, que pra voltar a girar, precisa da contribuição individual de todos. É tentar dizer, através da imagem: "Fulano, vai lá, eu gosto de você e quero que se proteja, seu cabeça dura!"

      Peço a todos que leram este texto que incentivem a vacinação daqueles que relutam em se precaver, seja por motivos ideológicos, de desconfiança ou por pura teimosia mesmo. O momento ainda é crítico, e as vacinas, ainda que não tendo plena eficácia, é o que tem pra hoje. Saúde pra todos nós, e que Deus nos ajude nessa guerra tão complicada, que já fez tantas vítimas...


* O Eldoradense      

Comentário: "O tio França foi uma vítima"

    Ontem à noite, em Brasília, aconteceu o que penso ser o ápice do delírio Bolsonarista: Um homem trouxe explosivos em seu próprio corpo, ...