22 de abr. de 2021

Conto: "Boa ação e reação"

 


   

       Sexta-feira,  horário de almoço de Felisberto, e enquanto ele lê o jornal, fala ao telefone:

        Desculpa, eu tinha me esquecido, querida! Fica tranquila, alguma vez que você me pediu assistência eu falhei? E tem mais...

 Se eu te disse que seria cesta, é cesta!

       A esposa Lucrécia, mais desconfiada que mineiro fechando negócio, ouve tudo, mas fica quieta. Há algum tempo vem suspeitando do marido, que sai às pressas e diz:

        Amor, tô de saída. Beijos, à noite a gente se vê!

        O esposo sai feito foguete, bebe um gole do suco que estava à mesa, entra no carro e acena. Lucrécia não hesita: Monta na sua lambreta e sai no encalço do suposto pilantra adúltero. Mas antes, pega a sua bolsa com uma pequena, mas pesada barra de ferro. Seria nesta sexta que tiraria tudo a limpo!

        A perseguição ocorre de forma novelesca, na surdina. Ele para no estacionamento de um supermercado, demora uns vinte minutos e sai com algumas sacolas de compras. Ela espera pacientemente, feito felina aguardando a presa.

          Algumas quadras depois, ele estaciona em frente a uma casa bonita. Na porta, uma mulher também bonita o espera. Os olhos de Lucrécia faíscam de ciúmes, o rosto avermelha-se, sobe em seu corpo uma ira instantânea.

             Felisberto sai do carro com as compras nas mãos, dá um beijo no rosto da outra mulher, mas antes que tudo de consume, eis que a esposa salta da lambreta com a barra de ferro nas mãos e grita escandalosamente:

               Traidor! É na sexta que você vem dar assistência a ela, é? Então agora você vai ver o que é bom!

            Não dá tempo de explicar. A barra de ferro destrói a funilaria do carro, quebra vidros, provoca riscos escrevendo  palavras de baixo calão. A vizinhança curiosa assiste a tudo, perplexa. Depois de se cansar do seu vandalismo, ofegante, a esposa pergunta:

       Satisfeito!?

       Humilhado, injustiçado e impotente, ele responde:

      Essa é a Sara, assistente social. Ela havia me pedido um quilo de alimentos para as famílias necessitadas da cidade, mas eu fiz questão de dar uma cesta básica. Nunca neguei assistência a ela quando me pediu...

      A gargalhada do público sádico ecoa naquele palco aberto. Lucrécia pede perdão, mas em vão. Felisberto disse que esta foi a gota d'água, a última cena patética de ciúmes a que era submetido e ridicularizado. Dá a partida no que restou do carro, e sai, com os cacos de vidro ainda caindo sobre o asfalto. Sua boa ação com certeza vai fazer uma família mais feliz, mas a reação causada, acabou destruindo o seu próprio lar...


* O Eldoradense        

        

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