22 de jul. de 2020

Crônica: "Ser de esquerda"



   Ser de esquerda, atualmente, no Brasil, é motivo de preconceito. E é claro que isso muito se deve aos recentes escândalos de corrupção praticados pelo partido político que esteve tantos anos a frente do poder no país. Compreensível. O problema é que existe uma generalização nociva neste ideário que é equivocada, como se a corrupção e a deturpação dos valores por aqui fossem exclusividade apenas de um espectro ideológico, quando na verdade, não é. Basta lembrar que a esquerda chegou um dia ao poder exatamente porque a direita também não correspondeu às expectativas éticas, morais e socioeconômicas do país em oportunidades mais remotas. Existe um saudosismo tolo no entorno dos governos militares destros, que cerceando liberdades e informações, pareceram probos e promissores aos olhos vendados de muitos.

    Hoje, citam a China como exemplo de falta de liberdade, mas se esquecem que no Brasil houve uma ditadura de direita que também o fez. A Venezuela é o exemplo da miséria, mesmo que muitos países da África - boa parte deles governados pela direita - convivam com este problema de forma praticamente crônica. Entendam: Atualmente, no mundo pós Guerra Fria, ser de esquerda não quer dizer que incondicionalmente o sujeito é a favor do comunismo ou socialismo, sistemas econômicos que comprovadamente ruíram com os escombros do muro de Berlim.

    Ser de esquerda é questionar neoliberalismo, é entender que apesar da abertura econômica, o Estado tem que intervir sim, principalmente, em defesa dos menos protegidos.  Ser de esquerda não é fazer apologia à tomada da  propriedade de ninguém, mas sim, acreditar numa política de inclusão que permita que o direito a ela seja democratizado, através de diretrizes legais que gerem emprego, renda, e principalmente , acesso à educação e saúde dignos. Ser de esquerda não é ser contrário ao consumo: é permitir com que este aconteça de forma racional, inclusiva, justa e sustentável. É contrapor-se a este modelo em que pouquíssimos consomem muito e muitos consomem pouco, ou quase nada. Ser esquerdista é fazer autocrítica inclusive dos governos que se diziam representar-nos,  e reconhecer que  convicções foram deixadas de lado em detrimento a um projeto de poder.

   Entendam que ser de esquerda, na atual conjuntura, é defender incondicionalmente a democracia, é ser sim, intolerante a quaisquer regimes antidemocráticos sejam eles de Cuba ou da Venezuela. Mas é também não admitir qualquer pedido de retrocesso no próprio país, como naquelas manifestações sem sentido que pleiteiam intervenções militares e fechamento de instituições.

     Se de esquerda é diferenciar-se  da direita, mas através das argumentações e debates, é conviver com o outro espectro político-ideológico, é buscar o poder respeitando a alternância de poder, é contestar legalmente utilizando a liberdade de expressão, é acreditar na própria convicção e defendê-la com embasamento, pois muitos difundem a ideia de que o esquerdista é um fanático desprovido de informações, e isso sim, é falta  de informação. Ao menos no meu caso, minha convicção centro-esquerdista foi construída através de muita leitura, estudos e interpretação. Sou sim, um "ser de esquerda", e não tenho o mínimo constrangimento em dizê-lo...

* O Eldoradense

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