Romildo era jardineiro na pequena e próspera Mitolândia, cidade recentemente emancipada do interior paulista. A cidade até então era distrito de uma outra, um pouco maior, mas o sentimento de independência ganhou força após a descoberta de inúmeras reservas minerais de nióbio em seus domínios territoriais. E economia do lugar deu um salto exponencial, com a instalação de indústrias de extração e beneficiamento do metal, gerando empregos e qualidade de vida para a população.
O protagonista deste conto mantinha boa relação com os "Barões do Nióbio", que moravam em seus condomínios de luxo, e volta e meia precisavam dar aquele trato em seus jardins coloridos e suntuosos. Romildo, que zelava pelas pequenas praças do lugar desde a época distrital, passou a nutrir grande admiração pelos barões, que lhe pagavam pouco pelos serviços particulares, mas sempre lhe davam panetone e vinho no final do ano.
A economia pujante fez com que o prefeito, que teve a campanha financiada pelos Barões do Nióbio privatizasse praticamente tudo: Terminal rodoviário, praças esportivas, balneário, Biblioteca Municipal. A exceção, até então, eram os banheiros públicos. Mas logo veio o discurso de que os mesmos estavam mal cuidados e que precisavam passar para a iniciativa privada.
Romildo, que cuidava das praças, via que os banheiros precisavam mesmo de melhores cuidados. Ao conversar com vários Barões do Nióbio, percebeu que realmente as privadas públicas necessitavam se tornar privadas privadas. Tornou-se um entusiasta da privataria, sempre dizendo que graças à privatização, ele e toda sua família possuía aparelhos celulares. Curiosamente, Romildo não se lembrava que a ferrovia que passava ao lado da praça central de Mitolândia foi sucateada após a terceirização da mesma. Mas afinal, os celulares encurtaram as distâncias em velocidades bem maiores que a dos trens, não é mesmo?
Karina Helena, filha de um barão do nióbio influente em Mitolândia, logo teve a ideia de fundar uma empresa especializada na gestão de banheiros. Nasceu, rapidamente, a "KH toaletes", que venceu a licitação de forma pra lá de suspeita. Os banheiros, justiça seja feita, no começo do processo, funcionavam bem: Mediante um cartão de recarga, o usuário adentrava no toalete, digitava o serviço desejado através das teclas "1" ou "2", e sentiam-se como verdadeiros reis no trono. Ao lado dos sanitários, tomada para recarga de celulares. Caixas de som tocavam músicas relaxantes, e um odor agradável de flores do campo era exalado através de inúmeros jatos aromatizantes. Um brinco!
Porém, o serviço não era barato: A recarga mínima do cartão era de 20 reais, sendo que o preço para quem apertasse a "tecla 1" era 8 reais, e para a "tecla 2", 12 reais. Como cortesia, a "KH toaletes" deu uma bônus inicial de 20 reais para cada cidadão. Romildo, enquanto cuidava do jardim da praça central, resolveu estrear seus créditos: apertou as duas teclas e fez jus à sua solicitação. Sentiu-se um cidadão respeitado, que poderia enfim, urinar e defecar com dignidade na praça, (ainda pública!).
Todavia, não fez nova recarga, pois a grana era curta. Duas semanas depois, na mesma praça central, sentiu o estômago enjoar, após comer um pão com mortadela que pareceu não lhe cair bem. Correu desesperado até a unidade da praça central da "KH toaletes". Sacou o cartão do bolso, inseriu várias vezes no leitor magnético, e por outras várias vezes, ouviu o alto falante dizer: "Lamento, saldo insuficiente!". Um suor frio correu pelo seu rosto e outra coisa mais quente correu no fundo de suas calças. Romildo percebeu que foi uma cagada apoiar a privatização incondicional das privadas públicas. Mas a barriga já havia doído, e já era tarde...
* O Eldoradense
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