2 de set. de 2023

Crônica: "Carta para Venceslau"

 



  Noventa e sete anos, hein? Aos olhos de quem nasceu aqui e viu suas mudanças, parece muito, mas se considerarmos tantas outras Brasil afora, és jovem. Nasci nos teus braços e confesso que nestes meus 45 anos de vida, acho seu abraço caloroso demais. Um tanto quanto exagerado, eu diria. Quando chega dezembro, então, parece que você quer sufocar a todos nós, de tanto calor. Não sei se é a tua geografia ou teu espírito natalino. Mas sabe? Você bem que poderia ter dito àqueles nossos irmãos primogênitos - a maioria já falecida -  para não terem devastado tanto o perobal de outrora. Enfim, não posso culpar-te nem culpá-los, outros tempos, outras épocas, outras mentalidades. Mas se o perobal tivesse sido preservado, o clima entre nós seria um pouco melhor, mais ameno, creio eu. Não é um metáfora, pois me dou muito bem contigo, graças à Deus. O parágrafo é estritamente literal e meteorológico.

  Não tenho metade da sua idade, e talvez, por isso, às vezes, não te compreendo muito bem. Confesso que minha visão de mundo destoa quase que totalmente de todos os outros filhos que criaste, mas, mesmo assim, amo você e meus irmãos. Afinal, nas alegrias e tristezas da minha vida venceslauense, eram vocês que estavam ao meu lado. Também pudera! Nascido e criado aqui, não poderia ser diferente, e, se o destino não pregar peças, meu sono eterno será sob teu seio.

     Já pensei sim em habitar outras paragens. Por favor, não considere traição, insatisfação ou coisa do tipo. É que sou curioso por natureza, e já me imaginei tomando banho no rio Paraná todos os dias, na casa daquela vizinha ribeirinha que podemos chamar carinhosamente de tia. Já tive planos de ir para longe, pular sete ondas de águas salinas da costa litorânea no fim dos meus dias.

       Porém, às vezes penso que as águas também salinas derramariam no rosto, em forma de saudade, se isso se concretizar um dia. E quando penso nisso, "quieto o facho!". Teria saudades de tudo o que vivi e ainda vivo, das raízes, da família, das pessoas que aprendi a amar, da conversa na varanda da casa do melhor amigo. Acho que teria saudades até do seu perfil conservador, com o qual ainda sou desabituado, tal qual do seu incômodo abraço de 35 graus centígrados na sombra de uma das tuas praças aconchegantes.

          Parabéns por seus 97 anos. Se errei contigo em algum aspecto, acredite, não é proposital. Te amo muito, à minha maneira, e sei que seus outros filhos também a amam conforme suas visões particulares de mundo. Sei também que você ama a todos, pois toda mãe ama seus filhos incondicionalmente, independente das diferenças entre si. Aproveite seu aniversário da melhor forma possível, aproveite seu dia. Parabenizo-te com toda a sinceridade sob o ventilador de teto, tentando amenizar seu abraço de inverno com calor de verão. Parabéns, te amo!


* O Eldoradense

      

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