30 de jun. de 2022

Crônica: "O último dia"

 



  A cena é muito parecida, difere apenas em alguns poucos detalhes: O sujeito, às seis da manhã, subindo pela última vez o corredor principal do meu local de trabalho, rumo à liberdade, que para nós, chama-se aposentadoria. Geralmente com mais de cinco décadas de vida, as marcas de muitas histórias alegres e tristes estampadas no rosto. Homem de meia idade, pai, alguns já avôs, carregando consigo, além das blusas e pertences guardados no armário, o orgulho do dever cumprido, de uma história que se encerra e outra que se inicia.

   Este texto homenageando estes amigos era para ser escrito há algum tempo. Resolvi absorver um pouco mais da cena, para descrevê-la com mais propriedade. Meus olhos atentos mesclam sentimentos distintos: A alegria pelo indivíduo liberto do trabalho estressante mas também a tristeza por não compartilhar com a mesma frequência de tal amizade. Sim, por mais que a gente diga um ao outro que nos veremos, que nada vai mudar, muda sim. Cada um segue sua vida, tem sua família, é o ciclo natural das coisas. As conversas sobre futebol, as discussões sobre política e até as cornetadas sobre comportamentos dos outros colegas não acontecerão com a mesma assiduidade, serão rareadas, entrarão em extinção e deixarão saudades.

    Aprendi muito com esta turma liberta, e acho que também ensinei uma ou outra coisa, modéstia à parte. Ouvi confissões, segredos, partilhei também os meus, dividimos alegrias e dramas pessoais. Durante o período mais difícil da minha vida, vi gente chorando as minhas lágrimas, tão preocupados comigo quanto membros da família. Isso não tem preço, ajuda a seguir, a se levantar, a entender que cada um tem sua missão e por mais duro que seja o baque, não é permitido esmorecer.

     Outros serão libertos em pouco tempo, e a cena se repetirá com maior frequência a partir de agora. Na condição de segundo mais jovem do grupo - ou talvez, menos velho - só não fecharei a porta e apagarei a luz porque há alguém mais "caçula" que eu. Um caçula com 44 anos, daí a conclusão do quão o grupo é "experiente". Mas enfim, hoje foi o dia de homenagear os que já subiram a galeria e os que, daqui poucos meses, também o farão. Ficam registrados a gratidão e o carinho nas poucas linhas deste singelo texto. Curtam a vida, é direito vosso!

 

* O Eldoradense


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