Escrevo este texto em manifestação de solidariedade a dois profissionais de educação que supostamente foram demitidos de um colégio particular de Presidente Venceslau por motivação política. O caso deu pano pra manga. Logicamente a instituição de ensino alega "reestruturação pedagócia", enquanto alguns pais de alunos reforçam a tese de perseguição política. Diante do quadro de polarização latente no país, outro grupo de pais de alunos rechaçam a tese. Sinceramente eu não conheço as partes envolvidas, e caso a questão atinja níveis litigiosos, o Ministério Público do Trabalho é certamente o julgador mais apropriado.
A manifestação de solidariedade é pelo contexto: Se foi perseguição política, de fato, é lamentável. Se foi por reestruturação pedagógica, seria compreensível, porém, a polêmica em si e o constrangimento de encerrar um ciclo desta forma, não é menos lamentável.
Enquanto graduado em Geografia numa das mais renomadas instituições públicas universitárias do país - sim, digo isso com muito orgulho e sem qualquer falsa modéstia - sei que lecionar a disciplina requer muito mais do que o simples repasse de conhecimento técnico: É preciso estimular o senso crítico, formar não apenas o aluno, mas também o cidadão consciente do seu papel na sociedade.
A Geografia se divide basicamente em duas ramificações: A Física e a Humana. Na Geografia física se ensina, por exemplo, a morfologia dos relevos, hidrografia, clima, vegetação, a formação dos continentes e dos oceanos. Na Geografia Humana há o repasse do conhecimento sobre a interação humana com os acidentes geográficos citados acima, bem como a noção cartográfica básica para entender estas interações: Atividades econômicas em determinado espaço, degradação ambiental, sustentabilidade, por exemplo. Porém, a Geografia Humana também flerta com outras ciências em seu vasto conteúdo: Sociologia, História e Filosofia são algumas delas.
Agora, amigo leitor, vos pergunto: Como lecionar a dinâmica dos ecossistemas sem falar de desmatamento e poluição, por exemplo? Como explicar efeito estufa, destruição da camada de ozônio sem falar de políticas ambientais ou a falta delas? Como, dentro da Geografia Humana, falar de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, capitalismo de centro e periférico, socialismo, comunismo, democracia, ditadura, num discurso desprovido do conteúdo político? Impossível. Seria como lecionar matemática sem números.
Enfim, o bom docente de geografia vai muito além do simples repasse do conhecimento: Ele provoca, estimula, indaga. Do bom e complexo trabalho deste profissional resulta alunos preparados para os processos seletivos mais importantes da atualidade: O ENEM e os vestibulares, por exemplo. Alunos desprovidos do senso crítico e limitados apenas ao conhecimento técnico, obviamente ficarão para trás nesta disputa, pois teriam limitação de conteúdo. E é no estímulo ao debate em sala de aula que muitos alunos e inclusive pais de alunos confundem a prática com militância política. O professor explana seu ponto de vista pessoal, cabe ao aluno, que tem livre arbítrio, concordar ou discordar. A tese de "doutrinação", por si só, trata o aluno como um ser desprovido de opinião própria. Ainda que seja um ser em formação, o aluno não é um acéfalo, e vem para a sala de aula com influências e informações do ambiente familiar, também. O aluno é livre e capacitado para tirar suas próprias conclusões.
Enfim, fica o manifesto de solidariedade aos profissionais demitidos pelo contexto polêmico no qual se deu o processo. Homenageio nestes parágrafos Teodoro Sampaio, um dos primeiros geógrafos deste país, e também Milton Santos, o maior ícone da geografia nacional. Ambos de origem humilde e afrodescendentes. Força e fé, amigos! Ainda chegará o dia em que os educadores serão respeitados pela classe política e pela sociedade. Não leciono, nunca lecionei, mas me considero um "professor desviado da função": Circunstâncias da vida...
* O Eldoradense
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