15 de fev. de 2020

Descanse em paz, Tio Benedito...




   Muitos cantores e poetas fazem uma analogia bastante adequada entre a vida e um trem: nela chegamos, viajamos, e finalmente, desembarcamos, sabe-se lá em qual destino. Adentramos em vários círculos, em vários núcleos, mas nenhum deles mais importante que o da família. 

    Particularmente me lembro bem quando minha tia Natalina apresentou o Tio Benedito ao nosso convívio familiar. Não me recordo com exatidão o ano, mas se não me falhe a memória, deveria ser 1987. Chegou ao nosso núcleo com desenvoltura, conversando fácil com todos sobre tudo, e, não raras às vezes, soltava uma risada singular. Dominava vários assuntos, gostava de televisão, futebol, política, procurando se informar ao máximo.

     Santista que era, rapidamente se entrosou fácil com meu falecido pai, que também era bom de papo. Sobre a amizade entre os concunhados, me recordo que, após uma conversa sobre música caipira, meu pai o presenteou com uma fita cassete com canções do gênero. Agradeceu muito, parecendo ter gostado bastante do mimo recebido.

        Também manteve boa relação com os sobrinhos, desde quando éramos crianças, pois nos viu crescer.  Parece que ainda ouço a voz forte do homem negro, alto e magro me chamando de "Nando". Lembro-me que pouco tempo depois de nos ter  sido apresentado , nosso tio passou a  praticar uma religião um tanto quanto exótica, que eu creio ser o budismo, mas nunca tive coragem de perguntar. Espiávamos os rituais de oração pelo buraco da fechadura de uma porta no quarto da casa de uma outra tia, quando eles ficavam hospedados aqui na cidade. Não minto, achávamos certa graça naquilo tudo.


   Algum tempo depois, converteu-se definitivamente ao catolicismo. Ás vezes, metia-se em alguma discussão engraçada com a minha tia, o que nos rendia boas risadas. Foram mais de três décadas de união. Mineiro de nascença, conhecia a logística da cidade de São Paulo como ninguém. Parecia dominar o emaranhado das linhas de metrô, trens urbanos e ônibus circulares daquela metrópole que ele parecia gostar tanto. Trabalhou assentando pedras ornamentais nas construções até quando a saúde permitiu. Há poucos meses, foi diagnosticado com uma enfermidade agressiva no fígado, notícia que entristeceu a nós todos. Tínhamos a consciência da luta que viria pela frente, bem como seu possível desfecho. Ainda assim, mantínhamos a fé. Mas quem somos nós para compreender a vontade divina?

      O vi pela última vez às pressas, e em um momento também desfavorável em minha vida, infelizmente. Veio me dar um abraço de tio e oferecer palavras de conforto, há pouco menos de um ano. Por estas motivações da vida cotidiana, não pude me despedir como eu gostaria e como ele merecia. Tudo o que pude fazer foi escrever este texto em sua homenagem e memória, com imensa tristeza e preocupado com a minha tia, que certamente está sentindo mais do que ninguém esta ausência.

        Finalizo com a velha máxima do discurso que envolve as perdas: Tentemos lembrar de tudo o que vivenciamos ao lado de quem se foi, pois isso nos traz um certo alento. Descanse em paz, tio Benedito!


Luiz Fernando, 15/02/2020

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