Certo dia, a Língua Portuguesa estava em sua sala, curtindo o
ar condicionado, entediada. Queria criar
algo, pois notou que mesmo com todas as suas armadilhas fonéticas e ortográficas,
precisava inventar uma novidade. Foi quando requisitou a presença da letra “X”
aos seus aposentos.
Em poucos minutos, lá estava a referida
letra diante do patrão, que tinha o porte de um xerife. O mesmo tomava uma
xícara de café, e foi logo dizendo:
X, você sabe que de
todas as letras, te acho a mais polivalente, a mais versátil, a mais solícita. Além
de representar honrosamente tuas funções, te vejo protagonizar equações
matemáticas. Enfim, você sabe que é meu peixe! E por isso, te delegarei novas
missões! Tu sabes que muitas palavras tem o som do “s”, do “z” e do “cs”.
Porém, estas letras vivem por aí, se divertindo, sem comprometimento. Não canso
de vê-las dançando na hora da labuta. Ritmos diferentes, como axé, xote,
xaxado. Quero que você as substitua, sempre que convocada! De hoje em diante,
sua missão será provar que quem se ausenta, acaba se tornando desnecessário...
Não é preciso
explicar que o X sentiu o peito explodindo com seu ego inflado. Aceitou de
pronto executar tais tarefas, ainda que corresse o risco de ficar extenuado.
Mas a Língua Portuguesa, astuta que era, lhe prometeu recompensar pelas árduas
horas extras. Caramba, já no último parágrafo deste texto estava cumprindo sua
missão! Era mesmo um exímio substituto!
O tempo foi
passando e lá estava o x metendo o bedelho em sons que não precisavam da sua
presença, confundindo leitores e escritores, se encaixando onde não fazia
qualquer sentido. Extrapolava nas substituições, trabalhava de forma
exponencial, como um exagerado cumpridor de horas extras. Agia como se fosse um
soldado do exército: Missão dada, missão cumprida!
Um dia, exausto,
perdeu fôlego. Fez exames médicos. Ironicamente, o primeiro deles foi um raio X
do tórax, pois estava ficando sem ar. O médico logo diagnosticou uma crise de
estresse, acompanhada por ansiedade. Precisava descansar, pediu atestados
médicos. Perplexo, percebeu que exagerou na dose.
À sua mesa, a
Língua Portuguesa viu o atestado com desconfiança. Resolveu telefonar para o
“c” e o “h”.
Acabei de chamá-los porque o X está com
doença de rico, frescura. Não está dando conta mais nem de representar
ortograficamente os próprios fonemas. É por isso que juntos, vocês irão substituí-lo
em algumas ocasiões. De hoje em diante,
não quero ser chamado de patrão, mas sim, de chefe! Chefe com ch, para
inaugurar esta nova e honrosa fase em suas vidas. Sintam-se privilegiadas com
esta pequena promoção! Recebam este cheque nominal como recompensa. Ah! aceitam
um chá?
O idioma explorador
cobrou o preço da letra que trabalhou em excesso. O x, complexado, sentiu-se
traído, como quem tivesse tomado um chapéu. Enquanto isso, outras letras o
xingavam pelas suas costas, sem qualquer compaixão: “Toma, puxa saco!”
O Eldoradense
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