Obs: Este é um conto fictício de conteúdo adulto em alusão ao "dia do Saci". Seu roteiro envolve violência explícita, portanto, não é adequado para a leitura de crianças e adolescentes, embora muitas crianças e adolescentes deste país sofram com a violência na vida real.
Ado nasceu na Favela do Mato Seco, naquela cidade que tem os braços abertos num cartão postal, com os punhos fechados pra vida real. Recebeu este nome porque o pai era fã de um dos goleiros da seleção brasileira na Copa de 70, no México. Desde os 10 anos, o menino mostrava habilidade para o futebol, porém, com os pés, não com as mãos, como o referido goleiro homenageado.
Mesmo adolescente, tinha a altivez de um craque, e sem exagero, lembrava o rei Pelé, não só pelo biotipo, mas também pelos seus dribles desconcertantes e inúmeros gols. Na várzea carioca, todo mundo dizia que o menino superaria Zico, Dinamite e Garrincha. De fato, tinha tudo para ser um cracaço do Fluminense, time para o qual torcia.
Mas, de fato, a cidade com os punhos fechados para a vida real cobraria seu preço: Ado passou a se tornar sensação e exemplo na comunidade, fazendo com que vários meninos deixassem de querer ser soldado do tráfico para almejarem o sonho da riqueza através do futebol. Onde estava Ado, uma legião de meninos sonhadores também estava, lotando o campo da várzea da favela, renegando vícios e ficando cada vez mais longe da marginalidade. Ado ganhava seguidores e adeptos, e o tráfico, por sua vez, perdia mão de obra infanto juvenil, tão essencial para sua logística operacional.
Num fim de tarde como tantos outros, Ado voltava para seu barraco quando foi abordado por dois sentinelas do crime. Levado até o chefe da boca, não teve tempo nem de se defender: Levou vários tiros na perna esquerda, a mais hábil, a que traria tantas alegrias para a torcida brasileira.
Socorrido demoradamente num hospital público, perdeu o membro inferior canhoto. Pensou em denunciar seus algozes, mas tinha medo de retaliações futuras. Ado agora não era mais chamado pelo nome: Por ser um jovem de corpo atlético, negro e com uma das pernas amputadas, foi "batizado" maldosamente pelos bandidos da comunidade por "Saci". O apelido doía na alma, feria a dignidade, mas ficou impregnado em sua persona.
O campo de várzea já não tinha mais tantos jovens futebolistas. Virou mais um ponto de marginalidade, cujo esporte ficou renegado a um segundo, terceiro plano, talvez.
Ado, o Saci, usou sua tragédia pessoal como motivação para não cair em depressão, mas prometeu vingança! Dois anos se passaram, a família não tinha condições de adquirir uma prótese, mas Ado adaptou-se, porém, fingindo estar conformado ao longo do tempo.
Certa vez, numa roda de samba num botequim movimentado da comunidade, deparou-se com seu algoz. Usando uma boina vermelha e fumando um cachimbo, retirou um 38 da pochete e, sem titubear, mandou o traficante para o quinto dos infernos. Antes de qualquer reação, saiu pulando com sua única perna até uma viatura da polícia, que estava ali para averiguar a denúncia sobre um homicídio que aconteceria em breve naquele local.
Ado se entregou e confessou ser o autor do disparo e também do telefonema anônimo. Ado, o Saci, enfim estava saciado!
De futuro craque do Fluminense, Ado foi para Bangu. Não o clube, mas sim, o presídio. Converteu-se, fez curso bíblico e tem um potencial invejável para pastorear ovelhas em Madureira. Não no clube, mas no bairro carioca...
* O Eldoradense