Eis que um assunto recente e banal tornou-se tão ou mais propagado que as tarifas do Trump ou a tornozeleira do Bolsonaro: Refiro-me ao tal "Morango do amor" iguaria que atualmente é febre nas confeitarias e cozinhas afora. Tenho lá minhas razões para não acreditar que o tal doce veio para ficar, sendo mais um meme destes efêmeros, voláteis, que somem na mesma velocidade que surgem. Taí! A novidade frutífero adocidada deveria chamar-se "Morango da paixão", já que terá a durabilidade de um amor de verão ou de uma paixonite voraz, repentina.
Certamente a tal onda tem muito a ver com a cor vermelha e intensa da fruta, potencializada pelo brilho sedutor da calda adocicada. E aí, os olhos curiosos emitem estímulos para o cérebro, que, por sua vez, se comunica com as papilas gustativas salivantes, tornando um pequeno doce algo viral, febril, desejável.
Minha percepção prévia de que o "Morango do amor" será algo passageiro baseia-se em duas experiências pessoais do passado: A primeira aconteceu na infância, quando vi em alguma propaganda televisiva, alguém saboreando um morango. Fiquei com muita vontade de experimentar a fruta, que, na década de 80, era rara de se encontrar. E sabe como é: Criança com vontade de comer algo pode ficar febril, portanto, não é bom arriscar. Dei um trabalho danado para o meu pai, que, não sei onde, nem como, acabou encontrando um morango. Na primeira mordida, a decepção com o azedume da fruta. Porém, envergonhado pelo transtorno, fingi que o tal morango estava delicioso.
A segunda experiência que me faz sugerir que o "Morango do amor" é algo passageiro, não é pautada no paladar, nas sim, na audição. Nos anos 2000, uma música chamada "Morango do Nordeste" tornou-se hit nas rádios brasileiras, sendo interpretada por quase todo mundo, nos mais variados gêneros. Tinha "Morango do Nordeste" em pagode, sertanejo, forró. Não me surpreenderia se fosse cantada também pelo Pavarotti ou pelo Sepultura. Enfim, coisa de impregnar os tímpanos. Lembro-me de uma viagem que fiz com meu irmão para Aparecida: Tocou "Morango do nordeste" no ônibus, no hotel, no restaurante, no comércio ambulante da cidade. Pensei comigo: Só falta tocarem isso na Basílica, durante a missa! Felizmente, a tal heresia imaginária não aconteceu. "Morango do Nordeste" marcou uma época, mas não tornou-se atemporal, está anos luz de ser comparada a qualquer clássico dos Beatles, do Roberto ou do Raul.
Desacredito que o tal "Morango do amor" veio para ficar, como tantos outros doces famosos na culinária brasileira. Não terá a longevidade das cocadas, dos doces de leite ou abóbora, quiçá das paçocas. Arrisco dizer que não vai superar nem mesmo sua precursora, a "Maçã do amor", esta sim, robusta, capaz de saciar tanto a fome quanto a curiosidade. Não veremos Morangos do amor nem na Feira de Mangaio, muito menos, no tabuleiro da baiana.
Aliás, seja sincero: Você consegue imaginar a Eva oferecendo um morango para Adão, numa versão repaginada de Gênesis? A fruta é tão pequena que, se assim fosse, Deus nem consideraria pecado, nem expulsaria o casal do Jardim do Éden, e portanto, não existiria a humanidade para transformar o mimo em meme. Seria um gesto efêmero, repentino, similar ao "Vai ser bom, não foi?", se é que me entendem...
* O Eldoradense
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